La Montagne

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Fechados contra o Mundo e seu Rei, Espírito contra Matéria!

domingo, 3 de maio de 2015

Responsabilidade Individual

“Erguei e despertai os que dormem. Pois vós sois o Entendimento que encoraja. Se os fortes seguirem este caminho, serão ainda mais fortes. Voltem vossa atenção para vós mesmos. Não vos preocupeis com outras coisas, isto é, as que vós já lançastes fora de si mesmos, as que vós descartastes. Não retorneis a comer delas novamente. Não vos tornei rotos. Não sejais corrompidos, pois isto já lançastes fora de si mesmos. Não sejais uma morada para o demônio, que vós já haveis destruído.”
(d’O Evangelho da Verdade)



Surgido da reação espontânea, popular, à pregação dos Bogomilos, o Catarismo mantém como valores incontestáveis ideias que eram naturais para as antigas religiões europeias. Em relação à atitude do homem frente ao Divino, temos um degradée do extremo oriente ao extremo ocidente, de uma mentalidade de completa absorção do homem no Divino (o homem como peça no maquinário do Cosmos, Soto-Zen, o sagrado está dissolvido em todo o manifesto que é ilusório mas por isso mesmo reafirmado em sua completa des-individuação panteística) até o mito de Prometheus no mundo helênico, onde o homem conquista violentamente a Divindade para si, contra a vontade de Deuses caprichosos.

No meio do espectro, o oriente médio tentou compreender a “Lei de Deus”, ora pelo mecanicismo da Astrologia, ora pelo cumprimento de obrigações rituais, e nisto está o povo hebreu que originou e disseminou o “cristianismo” que conhecemos hoje – uma religião legalista, dogmática material, que clama que o homem não deve buscar senão a obediência à Lei escrita e à vontade dos sacerdotes e interpretadores de tal Lei.

A mentalidade européia, com sua ênfase absoluta na atitude individual e na tomada de decisões, via tal submissão da Vontade ao dogma como algo essencialmente estrangeiro, estranho... quando os Bogomilos, vindos do sudeste europeu, vieram na direção de Albi, ensinando que o mundo é um campo de batalha polarizado no qual nossas decisões influenciam na batalha, instigando as pessoas a quebrarem o grilhão da culpa do “pecado” e tomarem para si suas vidas e a responsabilidade sobre sua libertação ou morte eterna, o monopólio sacerdotal das interpretações caiu por terra e a ideia alienígena de obediência dogmática, legal, a um código escrito foi completamente repudiada.

Isto parece um regresso a uma série de questões que oito séculos de teologia dogmática, desde os primeiros concílios, tencionavam ter já resolvidas. O que é a Lei? Quem pode interpretá-la? Quão fixas ou irrevogáveis são suas fontes? Qual o papel do homem na busca pela divinização, o de agente ativo ou passivo? E acima de tudo: quão responsável é o homem sobre suas ações, e como ele responderá por elas?

Se uma teologia material, dogmática havia sido estabelecida e consolidada cultural e politicamente em séculos de ação repressora das igrejas institucionalizadas de Roma e Bizâncio, a pregação dos grupos gnósticos desfez tal solidez como um castelo de cartas, dando início a uma perseguição violenta.

Como já foi visto em outros textos que eu selecionei, nos textos gnósticos os homens e mulheres espirituais vivem o martírio não como uma injustiça sofrida passivamente, ou uma penitência auto-imposta, mas como o resultado inexorável de uma ação de guerra: Noria destruiu com um sopro de fogo a primeira arca de Noé, servo de Yaldabaoth; quase foi violentada pelo mesmo, e foi salva pela intercessão divina de Barbelo, Quem fala pela voz da Epinoia. Sophia sofreu o aprisionamento e foi sugada quase à exaustão pelo monstro que gerou, mas combateu sua arrogância desmedida e o apavorou com uma pequena mostra da Luz inenarrável que existe nos altos Céus.

Isto sem contar o Cavaleiro cátaro mencionado por Rahn que, frente à inquisição dominicana que o tentava a adorar a cruz para poupar sua vida e evitar morrer emparedado, respondeu em alta voz, e várias vezes, que jamais aceitaria ser “salvo” por tal signo.

Não se deve entender com isso que os Cátaros eram derrotistas suicidas, que pulavam de bom grado nas fogueiras de qualquer algoz para garantir um ticket para o Expresso Pleroma. A quase veneração pelo Martírio espiritual não significa que creiamos na salvação pela morte em batalha – simplesmente não existe salvação! Existe um esforço ativo e sincero de, sabendo-se estrangeiro no mundo, e sentindo com o instinto mais profundo o terror da existência material, declarar guerra a todos os que sustentam tal criação hedionda e rebelar-se de todas as formas possíveis: o que quer que aconteça, a partir dessa decisão plenamente consciente, não será nem graças a deuses nem por culpa de demônios.

O Teogamita, o homem que fez votos de purificação (reorientação gnóstica) contínua, o galhardo cavaleiro que, montando seu Eu animal, declara guerra sem piedade ao Rei do Mundo, assume responsabilidade pessoal absoluta por voluntariar-se para a guerra mais antiga do Cosmos, e a última a terminar: quão desprezível e digno de pena será, para ele, o homem que lota os templos de Jehova para pedir curas e favores materiais! Quão imundo, em sua visão, aquele homem que só sabe pedir, e que atribui a Deus suas vitórias, e ao Demônio seus vícios e fracassos. Vitórias e derrotas, virtudes e vícios, o Teogamita os assumirá para si na íntegra, e ao invés de pedir aos deuses, buscará ajudá-los no esforço de libertar toda a humanidade espiritual.

Sim, existem orações no Catarismo, e nos comunicamos tanto com os guias que os antigos conheceram como “Deuses” ou “Anjos”, quanto com o Deus Incognoscível, cuja paraclese divina pedimos sempre que nos faltam forças para o combate – porque somente o Paráclito do Incognoscível pode conceder a graça de uma energia interna infindável, que se renova com a fúria e o exercício da volição espiritual. Isto, porém, é tudo – pede-se orientação, ou forças para fazer o necessário. Nunca pedimos favores materiais, nunca pedimos que o fardo da guerra nos seja aliviado (pois que mérito haveria se não nos fosse dado sermos tentados e atribulados por Jehova-Satanas?), porque a decisão de lutar contra o Rei do Mundo é íntima, e tão essencial em nós que não é possível mentir ou ignorar a decisão por muito tempo.

Nietzsche alertava que era necessário ter o “direito” à liberdade. Isto é, todos querem ser “livres”, porém deve-se indagar ao rebelde-em-potencial, para que ele quer ser livre – para quê, afinal de contas? Muito poucos saberão objetivamente responder porque almejam a liberdade (que não é a ausência de grilhões, mas a mais pesada das contenções que é assumir a responsabilidade integral por toda a sua existência) e tampouco sabem o que fazer com ela. A verdadeira liberdade, e portanto o hábito de assumir a tudo e a todos para si, vem apenas da nobreza de sangue herdada por aqueles que sabem, no fundo silencioso de seu ser mais profundo e adormecido, que são estrangeiros neste mundo.

Por essa razão, os Cátaros rejeitavam o batismo e a extrema unção: o Amor incondicional que existe entre os Espíritos eternos e seu Deus incognoscível nunca poderia conceber algo como “entregar-se nas mãos de Deus”, ou seja, lançar-se passivamente e deixar-se ser guiado, atribuindo todos os fatos da vida a Ele; exige ao contrário a busca ativa, volitiva, da Divinização pela Catarse, exige o domínio da alquimia que transforma a Última Gota de sangue na Luz Imaterial que o Cálice derrama. Exige dar tudo de si, com sinceridade de intenção, e não implorar favores aos Guias que tem a seus camaradas em auto-estima, e jamais cobrariam prostração ou subserviência.

Assim como os antigos nórdicos, que consideravam uma indecência prostrar-se ou portar-se perante seus Deuses com atitude de fraqueza, portamo-nos perante o Deus Verdadeiro como Parsifal - nu, com completa sinceridade em relação às próprias virtudes e defeitos (afinal, o farisaísmo impede que o indivíduo se lance contra os próprios defeitos, porque não os encara). Se pedimos ajuda aos Éons que lutam por nossa libertação, não os estorvamos com pedidos de uma vida mais leve, mas pedimos força para levar adiante o embate espiritual, E para nossos camaradas prisioneiros, tentamos fazer de nossas ações um exemplo, sem negar que, enquanto prisioneiros da carne, temos vícios e falhas, mas nunca os justificando ou aceitando.

Hoje em dia, existe uma ênfase muito forte em colocar o Catarismo como uma religião de tolerância universal e bondade irrestrita. A segunda parte é verídica, desde que entendida direito: a Bondade suprema é combater tudo o que gera sofrimento, o que implica em, muitas vezes, lutar e ferir os agentes das sombras e aqueles preguiçosos demais para enxergar a verdade. Porém, se somos livres de dogmas e morais, porque realmente não importa para a Eternidade o que se fez ou deixou de fazer na vida encarnada, cobramos uma sinceridade e uma retidão absolutas no professo desejo de libertação espiritual, e daqueles que almejam recuperar sua Perfeição, cobramos que seus atos reflitam espontaneamente a Paratge - a galhardia de Kristos Luz - e que tomem absoluto controle de suas vidas, como deuses que são.


Esta reflexão foi inspirada nas palavras de um diário de um russo morto na revolução de 1917, cuja pureza de sangue gerou nele uma epifania que o aproximou muito ao pensamento que nós possuímos. Disponho, logo abaixo, de trechos da carta:

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Das notas de um amigo assassinado, 8/11/1917.

“Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Romanos VIII:26)

Esta noite antes da minha decisão, eu nunca vou esquecer. Está claro que o país está à beira do abismo, e que as pessoas não conseguem entender ou se opor a essa tentação. Nós, os sóbrios e leais, somos poucos, e coagidos a lutar até o fim. Eu tive de decidir, e a tragédia da vida se desenrolou frente aos meus olhos pela primeira vez.Eu vi, e vejo, tragédia no fato de que, na vida, não existe resultado que aplaque a consciência, e a própria vida demanda decisões e ação. E quanto mais valorosa e sagrada a causa pela qual você luta, menos visível é o caminho à frente, e mais irreparáveis as consequências das decisões, que são mais difíceis também.Por aqui, vilões se ergueram, homens de uma composição espiritual ainda inédita na terra, possuídos, selvagens e despudorados. O povo confia neles como criancinhas confiariam – e de uma forma apaixonada como um adulto imaturo. Eu vejo as tentações, a infâmia que avança, o colapso inexorável, e meu coração se toma de amor e comiseração. Mas eu não consigo DEIXAR DE VER que a luta será sangrenta e impiedosa, e que portanto malícia e crueldade serão necessárias. Meu coração se retorce de horror e repulsa.E quão fácil é dizer, “Senhor, livrai-me desta decisão!”E é impossível. Afinal, isto significaria dizer, “tome de mim a força de meu espírito, que é a imagem viva de Teu Espírito! Extingua minha liberdade que reside oculta nessa força! Me livre do serviço, da responsabilidade e do peso da vida[...]” Esta seria uma oração de fraqueza, timidez e fuga. Seria uma oração pela erradicação da dignidade humana, da extinção da verossimilhança divina: “Tire de mim o vosso gracioso fogo espiritual, pois não posso e não quero carrega-lo!”
E eu comecei a mentalmente procurer ajuda de outras pessoas, consultar, pedir direções, sonhando com a subordinação cega a uma ordem... eu estava sozinho, e não tinha ninguém com quem trocar uma palavra, mas parecia-me que a felicidade era deixar de lado a necessidade da decisão e seguir alguém poderoso, bom e formidável...Então eu entendi que isso era impossível. Por que eu haveria de me esconder atrás de outro – de Deus e de mim mesmo? Eu teria de escolher aquele a quem eu me subordinaria. E a decisão de seguir um comando seria minha própria decisão, e cada ordem seguida eu a seguiria livremente. E se mais tarde algum desastre ou culpa sobreviessem, então eu veria com horror que eu causei o desastre, que a culpa era minha, a vergonha e a falha, minhas: pois nem a força, nem a liberdade, nem a sabedoria me teriam abandonado.Eu entendi então que não é dado aos homens ocultar-se atrás de outro, de sua decisão e responsabilidade. Ele precisa se erguer, lançar fora a mortalha da fraqueza e se apresentar...“Ensina-me a servir a tua causa!...”Mas [...] agindo de acordo com estes mandamentos, eu não cumprirei Sua vontade? Aqui está, Senhor, o mandamento dado por ti, que eu cumpri com todas as minhas forças... só é preciso avaliar a expressão exata do mandamento e cumpri-lo com todas as forças, sem pensar nas consequências... O maior mandamento é o Amor, mas que amor? Amor ativo ou resignado? Amor por temor ou por emoção, sacrificial ou indulgente?
Subitamente eu compreendi que eu não ousaria me esconder atrás da palavra escrita da lei para jogar a responsabilidade nas costas de Deus. Pois os mandamentos não são dados a escravos que tremem diante de uma carta, mas para os livres que apreendem Espírito e significado. Os Livres são chamados para ver os eventos e discerni-los independentemente; escolher, e agir atribuindo a si mesmo a responsabilidade. Sim, o Amor é o mais alto mandamento. Mas é possível, por amor, entregar o fraco ao malfeitor para ser lacerado, e que por amor ao sedutor, entreguemos os mais inocentes à tentação? [...]  Assim eu estaria sutilmente atribuindo à palavra um valor depravado, e dizer, “Não foi isto o que o senhor mandou?”, numa tentativa de me livrar da responsabilidade e jogá-la nas mãos de Deus...Da fraqueza vem a hipocrisia, e da hipocrisia, as mentiras. E tudo isto para que possamos renunciar à liberdade espiritual!“Ensina-me a liberdade espiritual! Remove de meu peito a covardia e a fraqueza de coração! Ajuda-me a achar meu caminho – o que não leva para longe de tua Face. [...] Dai-me a força do amor que é capaz de derrubar tudo, a força de confessar minha fé na hora derradeira!  [...]
Devo apenas tirar minha vida? Não, não apenas a minha vida, mas a vida que há na minha vida – ternura de coração, a pureza infantil do riso... conseguirei restaurá-los? Como eu os recuperarei?
“Envia-me a força da oração silente mas incessante! Envia-me a visão inefável de Teu Espírito! Envia-me a dádiva das lágrimas purificadoras!”Eu já tomei minha decisão. Estou pronto..

2 comentários:

  1. das praticas e oração gnosticas eu encontrai apenas nesse site http://gnosis.org/ecclesia/catechism.htm
    eu gostaria de ver as orações ao deus incognoscível, ao Aeon Sophia, e ao Christos. da forma como você citou no artigo, semelhante ao "Homo paganus" europeu antigo. pelo que eu estudei nos apócrifos de nag hammadi, na oração cátara tradicional por exemplo, a postura ainda é de piedade crista. "perdoa-me" da mesma forma que eu perdoou". que os Cátaros tiraram do "Sermão da Montanha". eu quero conhecer então as praticas dessa tradição gnóstica que tu segue, afinal ate os pagãos tinham orações e liturgias para reafirmarem a espiritualidade

    Obrigado.

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