A REVELAÇÃO DAS QUINZE PÉROLAS DO
CATARISMO [5/5]
Valores latentes e Orientação
Espiritual
Tiago
disse, "Mestre, se eles se armam contra você, então não podem culpá-lo por
erguer a espada da sua boca contra eles.
"Com
sabedoria, assim, você veio: Para repreender fantasmas desmemoriados.
Com
lembranças você prova o teu valor e, deste modo, reprova estes hospedeiros
teimosos.'
"Mas
eu estava preocupado por sua causa!
"
'Pois você desceu para dentro da ignorância da morte ,e mesmo assim a
ignorância não te pegou, nem emboscou,
Pois
você desce para a insensatez e risco, e o risco é conquistado, lembranças
partilhadas.
"
'Você anda pelo lodo; suas vestimentas não se sujam, nenhum joelho dobrado te
rendeu à lama imunda;
Assim,
hebdômadas e alturas de céus você destrói, misteriosamente invisíveis, na
decomposição do erro.' "
Ele
me respondeu, "E eu não era como eles, mas eu me vesti com tudo que era
deles.
"
'Há em mim um grande esquecimento por todos os costumes de Beliel e os assuntos
dele.
Embora
o que esteja perdido seja porém uma ninharia a menos: pois eu lembro de
presentes que não são deles.
A
distração da mente em horas malvadas liberta, quando no meio deles, poderes
inquietantes.' "
(I Apocalipse de Tiago)
O Mito do Kristos da Luz Não
Criada – “mito” não significa história, conto, ficção; Mito significa uma trama
psíquica organizada e passível de ser reproduzida, consistente com a pregação
Cátara que convida todos a se tornarem Kristos – revela seu poder no fato de
que a Pureza real, advinda do Pleroma que é nossa realidade esquecida, é
incorruptível, e que no embate com o impuro (pelo fato da impureza ser
transiência, e a pureza, eternidade) a impureza é destruída, não importa quanto
tempo leve, pelo mero contato com algo puro.
Isto significa, necessariamente,que
a corrupção que presenciamos em tudo no mundo, e que gera no Cátaro uma reação
de nojo e repulsa à existência mundana, não é e não tem nenhuma possibilidade
de atingir o tecido,o material, que compõe o Espírito. Conclusão lógica: todos
os que possuem em si o Espírito Eterno, mesmo privado de sua Epinoia, não estão
corrompidos, mas meramente alienados de si mesmos.
Noções cristãs como o pecado e
seus desdobramentos (a confissão, a remissão dos pecados, os Sacramentos como
instrumentos de remissão,o julgamento) são simplesmente absurdas para o
Catarismo, que vê no lugar de “pecado” a modelagem adaptativa de
Jehova-Satanas, basicamente uma distorção do processo cognitivo que nos conduz
continuamente a mitos (estruturas e mecanismos psíquicos) agônicos e trágicos,
gerando sofrimento para nós e para os outros.
Se existe, então, uma dupla
determinação psíquica, a da Alma mortal (substância da psique) criada por
Jehova para modelar nosso comportamento no mundo, e a do Espírito Eterno que
está extraviado, enganado, e cujos pálidos reflexos vitais se podem ver na
Esfera de Consciência, é também possível separar os fenômenos mentais de forma
dualista: a desorientação ou erro, e a orientação espiritual, que se reflete na
forma de valores e atitudes éticas latentes.
Tais atitudes podem ser diversas
e inclusive podem parecer opostas, vindas de pessoas diferentes, mas julgar
atitudes éticas externamente à nossa própria mente é extremamente arriscado,
pois provavelmente não será possível compreender o pensamento profundo de cada
um. De forma geral, existirão premissas conducentes comuns que são
caracteristicamente espirituais, e estas constituirão, para o buscador do
Espírito, as três primeiras pérolas ou tesouros psicológicos que ele encontrará
na sua busca pelo Pleroma.
PUREZA
Já foi dito de forma exaustiva
que o Catarismo é a práxis da Catharsis, da Purificação do Eu. O que seria, no
entanto, purificação – o que é impuro, o que é falso e o que é verdadeiro?
As religiões abraâmicas
consideram o ser humano fruto do Pecado Original, e que são seres impuros por
natureza, devendo obedecer a séries de leis e normas imperativas para se livrar
da sua sujeira essencial. Rejeitamos energicamente essa visão demoníaca da
humanidade, que vê no mero existir a continuidade de uma culpa que se transmite
de geração em geração, sem remissão nem perdão fora da completa submissão à
“Lei” do criador.
Mas se o ser humano é
originalmente puro e inocente, agindo de forma demoníaca e gerando sofrimento
por desinformação e confusão psíquica imposta por forças superiores (processo
que chamamos modelagem adaptativa) – resta definir o que é a impureza da qual
se livra pela Catharsis.
O universo da matéria e energia
foi criado pelo Arconte chefe, Jehova-Satanas, e seus aliados nos mais altos
tronos da criação, como uma espécie de experimento, o qual suas criaturas devem
descobrir, nomear, encantar-se e render graças eternas pela comoção das
descobertas contínuas. A forma mais pungente e intensa de interagir com a Obra
é pelos sentimentos mais intensos: a paixão e o sofrimento. Por isso, a lei da
vida é o sofrimento, e se obtém o sofrimento dos entes através da transiência:
a eterna mortificação e retransformação de todo o existente, onde cada forma
deve perecer para benefício não próprio, mas do sistema geral.
Mesmo dentro do período de vida
de um ente, este morre muitas vezes, e amarga perdas, dores, doenças e diversos
outros “males” – formas atualizadas de garantir a contínua transiência e
efemeridade das coisas – que lhe arrancam dor, porque o Espírito tem a memória
do Pleroma, da plenitude eterna daquilo que é essencial e imutável. Da tensão
agônica entre essa memória do Eterno e a mortificação constante daquilo que os
seres encarnados aprendem a amar, o Arconte chefe se alimenta e se deleita,
pois o sofrimento é a forma mais extrema de transferir energia dos entes para o
todo, para a “natureza” que é parte dele mesmo. Através do sofrimento, os
Espíritos são parasitados pelo seu carcereiro. E os sacerdotes do carcereiro,
com seu conceito de pecado,mantêm as pessoas presas na teia da aranha que sorve
lentamente sua vida, sua alegria, seu Espírito. Imbuído de Pureza nobre e
espiritual, escreveu Dietrich Von Bern:
Por muito tempo foi um enigma para mim
Como poderia a Natureza suportá-los em seu seio.
Quando eu era apenas uma criança, já os evitava,
A vós, os corruptos. Meu coração infinitamente
piedoso,
Que é incorruptível, intimamente amável se aderiu
Ao Sol, ao Éter e aos grandes mensageiros
Da grande, largamente pressentida Natureza;
Porque bem senti em meu temor
Que o livre amor dos deuses de bom coração
Discutir desejais, para serviço comum.
E que eu o executei como vós.
Ide embora! Não posso ver diante mim um homem
Que o Divino trata como uma indústria,
Seu rosto é falso, frio e morto,
Como seus Deuses são. Que os surpreende...
Ide-vos agora!
A impureza que devemos eliminar de nós mesmos diz respeito justamente
à transiência, à transitoriedade dos entes, ideias e paixões mundanas. A
iluminação do Buddha, que resistiu a uma procissão de entidades (físicas,
eidéticas e psíquicas), celestiais e infernais, com suprema impassibilidade e
indiferença, e a determinação implacável de Parsifal em sua busca do Gral,
significam o mesmo Nirvana (extinção dos sentidos) ou Catharsis (purificação do
mundano), o ideal Cátaro de “despir o manto de carne” e manter uma orientação
ou equilíbrio voltado ao Pleroma, ao que é fixo e imutável em Si Mesmo, a
semente do Espírito Eterno.
Isto tem uma relação biunívoca
com o conceito seguinte, que lhe é complementar.
AMORT
Diziam os Cátaros medievais que
Amor era o exato oposto, uma contra-via, de Roma: alcançava-se Amor
afastando-se de Roma, e vice-versa. Otto Rahn notou isto graciosamente em seu
“diálogo” com Fausto: “lá se é orgulhoso, e não vaidoso como em Roma. [...]
melhor a companhia de um portador de Luz do que um sumidouro de Luz, ou espelho
quebrado que destila sangue.”
Os Trovadores descreveram o Amor
de uma forma que até hoje o mundo não compreende. A neurose que vive o mundo
moderno, onde se busca um “amor” romântico idílico e perfeito (gerando apenas
decepção e rejeições injustas), é um efeito colateral não desejado do Catarismo
medieval, pela compreensão incompleta que as pessoas tiveram da noção de Amor,
ou AMORT: o Amor-Morte, ou imortalidade pelo Amor.
Isto deve ser entendido de forma
bem específica para evitar as confusões que se fizeram acumular nos últimos
setecentos anos.
Existe em cada ente encarnado uma
dualidade especular, e cada ente (físico ou eidético) manifesto no mundo da
matéria, existe um oposto,e da síntese destes opostos se recupera o Arquétipo
astral, o ente completo que existia antes de ser quebrado ao meio e projetado
na Matéria física. O que significa que todas as coisas e ideias existentes são
metades separadas por um espelho invisível: começando pela mente, ou
microcosmo, que é um reflexo (portanto, uma cópia invertida) do macrocosmo, ou
mundo exterior aos sentidos.
O homem moderno lê os trovadores
cátaros – Jaufre Rudel, por exemplo, e interpretam seus poemas, “Lanquam li
Jorn”, por exemplo, como um amor incontrolável por uma mulher distante. Neste
poema, ele conta a história da Condessa de Tripoli, por quem um alfaiate cego
da Provença se apaixonou pelos relatos que os cruzados contavam de sua beleza,
e cego de amor, saiu tateando estrada afora em eterna peregrinação pela Amada
distante.
Johann Bereslavsky escreve, “Os
Cátaros eram um amor demente...”, e os simplórios crerão que se trata de um
amor platônico pela mulher idealizada, ou um amor místico por Deus à maneira de
Sâo João da Cruz. Ambas as visões são erradas, e se predominam entre os
historiadores e literatos, é porque os Cátaros foram extintos e não puderam
propagar o conhecimento esotérico por trás das Trovas de Amor.
Se tomada isoladamente, a Via
Patibilis – a morte em vida, o morrer para o mundano – pode parecer um desejo
de extinção,de não existência, porque falta o outro lado: o Cátaro deseja
morrer para as coisas desta vida e deste mundo não por apatia ou derrotismo,
mas porque sua mente está tomada de Amor pela Sagrada Epinoia, pela dama
distante Minne que é o nosso complemento essencial que não está neste mundo nem
nesta vida.
Esta é a via do Amor-Morte, ou
AMORT, antigo Mysterium atlante onde as duas forças em combinação sincrônica
produzem um impulso psíquico irresistível, que lança o Cátaro em sua busca
demente pela Amada perdida, a sua Minne que canta para ele desde fora da prisão
material. Como dois dançarinos no gelo que se empurram mutuamente para gerar o
dobro do impulso, a mortificação psíquica reduz gradualmente a esfera de ação
do sofrimento cercando e isolando a Consciência dos sentidos físicos, enquanto
o Amor pela amada distante alimenta o desejo de escape da Matéria e de guerra
contra os Arcontes, sendo uma via conducente à transcendência e à libertação
espiritual.
Dizia Nietzsche: “A fórmula da
nossa felicidade: uma reta, uma seta, uma meta”. Isto é Amort, a pulsão
consciente que nos isola do mundo ao mesmo tempo que fortalece nossa Vontade
através da sagrada nostalgia por Epinoia.
A força interior libertada por
Amort é terrível e nem os Arcontes podem pará-la. Uma vez que o isolamento da
consciência abre a via conducente da libertação, o “único olho de Wothan”
(direção única e irrevogável, como a flecha de Saggitarius), nada no universo
conseguirá parar o buscador nem amolecer sua Vontade absoluta. Aqueles homens
enganadoramente frágeis, ascetas ou “enlouquecidos” de amor, longes em tudo do
arquétipo físico do herói ou do guerreiro, travaram uma guerra interior com uma
força e uma determinação que impunha medo aos demônios do grande arquiteto, que
gritam de pavor cada vez que um morto-em-vida resiste impassível a todas as
suas tentações e não detém seu avanço furioso rumo à saída.
INOCÊNCIA
O Cátaro rejeita os sacramentos
por causa da crença na inocência perene do Espírito. Porém, como todos os
termos importantes, é necessário recuperar do tempo decadente uma explicação
mais completa, e menos simplória, do que significa ser inocente, como Parsifal.
Uma boa aproximação inicial é a
carta do Tarot representando o primeiro Arcano, o Louco. Os Arcanos do Tarot
representam conexões ou caminhos entre os dez Sephirah (aspectos de
manifestação de Jehova-Satanas) que compõem a Árvore do Terror onde Wothan
(manifestação atlante do Kristos) se pendurou para buscar o segredo da Morte,
capaz de vencê-la. São mecanismos kármicos, as vias dramáticas que a alma
transita em seu giro atormentado pelos ciclos da existência material.
Mas o Louco é especial. No limiar
entre o fim e o início do ciclo, entre o vivo e o morto, coincide com o
Ascendente astrológico, ou com a simbologia do Sol nascente, representando
sempre o lusco-fusco entre um karma (ou uma vida) que está se exaurindo, se
extinguindo, e a ânsia pelo recomeço, que é o estado que mais aproxima a psique
de um estado de plenipotência: tudo é possível, a jornada se inicia; a vida
anterior fica guardada como sabedoria acumulada, e uma nova se inicia aqui e
agora. Por isso, o Louco pode representar um reinício kármico, ou uma iniciação
espiritual.
Mais do que isso, o Louco, dentre
todos os caminhos da árvore do terror, é o menos carregado de dramas internos e
agonia, porque todo o sofrimento passado foi consolidado como sabedoria e
espera-se o futuro de forma alerta, mas neutra: sem ilusões de expectativa, ou
neurose pelo futuro. Neutralizada a expectativa do futuro que prende a psique
no tempo, ele caminhará na senda única do Amort, e nenhuma outra consideração
racional ou sensorial o fará parar ou mudar de ideia: tal é a Inocência do
Espírito, que desconhece,ou melhor, ignora, o que não conduz ao reencontro com
a Amada perdida.
O Louco é a porta de entrada e de saída da
Ilusão, e através da Catharsis o Cátaro buscará a cada instante psicológico
regredir a este estado primordial de sabedoria e neutralidade, fonte de foco e
vontade: essa é a inocência de Parsifal, o Cavaleiro perfeito, buscador do
Graal que, impulsionado por Amort, vagou em busca do Gral sem deixar quaisquer
preocupações – do corpo, da mente, do mundo – revogarem a decisão firme da sua
Vontade. Isto chamamos inocência porque as ilusões de bem e mal do mundo são
ignoradas, e o cavaleiro errante saberá sabiamente transitar entre o luminoso e
o obscuro, conforme a necessidade imperar, com o olho fixo no Pleroma e
n’Aquela que o aguarda ali. Um tal inocente jamais será um moralista, pois a
única moral é a Vontade, o único Bem é vencer a guerra contra o Demiurgo
maldito em nome da cessação do sofrimento de todos os seres sencientes. O resto
– espelhos e máscaras.
O buscador que encontrará,
eventualmente, uma resposta espiritual no Catarismo, demonstrará tacitamente em
suas atitudes a nostalgia de Amort, a Inocência e Pureza do Espírito, em grau
cada vez mais forte quanto mais avançar no processo de catarse. Estas três
pérolas são o princípio e o final da Via Cátara, pois representam o fim da vida
mundana e o início da via de regresso. Não importará a partir deste momento
crucial o que quer que se tenha de desejos e medos, mas todo o “manto de carne”
– e de psique – será gradualmente abandonado como os peregrinos que acabam por
deixar no caminho a maior parte dos seus pertences – roupas, itens de conforto,
calçados extras, latas e outras quinquilharias - que se tornam nada mais que um peso que atrasa
sua chegada ao solo santo.
Tais peregrinos resolutos, irreprimíveis,
envoltos na névoa dos ares astrais e indiferentes ao mundo da carne e seu
destino, subitamente libertos pela própria peregrinação que sua Vontade
empreede, seguem silenciosamente cantando o hino sagrado de todos os que rumam
para Montségur e os Castelos do Deus Incognoscível mais além das Estrelas:
O rio corre mais além do Tempo,
Está consagrado o Mistério dos Cavaleiros,
O Hino de Amort soprava sobre os continentes
Nos corações puros e transparentes.
Ó Deus nosso, no Jardim das Divindades,
Envia-me a coroa de puro ouro
Das Perfeições Consagradas!
Ofereça sentar-me à távola da ceia nupcial,
Presente no Cálice dos Cavaleiros do Santo Gral.
Nas terras do Languedoc e Occitanía
Os ungidos se unem em Sagrada Teogamia -
No seio do Fogo de Amort se tornam de fato Perfeitos,
E o Triunfo de Montségur se eleva aos céus!
O Triunfo de Montségur se eleva aos céus!
Vede que o Laurel está verde e renovado:
O Mistério do Consolamentum está consumado.