La Montagne

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Fechados contra o Mundo e seu Rei, Espírito contra Matéria!

sábado, 30 de maio de 2015

A Revelação de Isais (Parte 1)



Buscai os lugares, tomai os espaços, aonde quer que a espada do herói seja clamada, aonde quer que a ação corajosa seja necessária. Sabei qual é vosso lugar. Quem hesita, tolera – e quem tolera, permite que prevaleçam as Forças do Inferno.

No período de 1226 a 1238, por doze anos, um grupo de cavaleiros alemães se reunia nas florestas em Ettenberg, na área de Berchtesgaden, em um local onde com frequência uma aparição surgia, na forma de uma dama, que chamava a si mesma Isais, Isaria ou Istara. 

À época, o sul e o oeste da Alemanha sofreram uma influência considerável do movimento cátaro, que embora não tenha firmado raízes, tem boas chances de ter influenciado na mensagem que se produzirá a seguir. Para estes cavaleiros, por exemplo, o Gral é na realidade uma pedra, negra com brilho lilás, de onde brota a luz do Mundo Verdadeiro que inspira o retorno para a Origem. Por causa disto, chamavam a si mesmos "Herren von der Schwarzer Stein" ou HvdSS (Senhores da Pedra Negra).

Durante essas seções mediúnicas com "Isais", ela transmitia mensagens, algumas foram escritas a posteriori por membros do círculo de cavaleiros (cuja importância e desdobramentos são outro assunto, totalmente à parte). As anotações foram, então, traduzidas em 2005 por um grupo que se diz a continuidade do antigo círculo medieval (e que no entanto realiza muitas atividades confusas... mas este também é outro tema). A compilação de mensagens, e alguns outros textos mais modernos, se chama "Wissensbuch der ILU-Lehre" (o Livro da Sabedoria dos ensinamentos de ILU), e pode ser encontrado com alguma dificuldade na internet. A tradução ao português é da autoria do autor deste Blog, com ajuda de outros textos da época para embasar algumas traduções dúbias, ou obscuras.

A mensagem, em si, é e não é familiar ao pensamento que temos reproduzido nesta página: gnóstico em essência, possui uma visão dualista de raiz (o Bem e o Mal se originaram separadamente, e são absolutamente separados) como os gnósticos do Oriente Médio, e juntamente com as influências do cristianismo e do paganismo nórdico, encontramos nomes e histórias com raízes sumérias e babilônicas (o próprio nome Isais é aparentado com Ishtar, a manifestação mais antiga de Epinoia), o que é absolutamente incomum e peculiar para o lugar e a época. 

Para o Catarismo, não existe uma pretensão de ser uma religião única, ou de ser "A verdadeira" - o que algumas religiões denominam deuses e demônios, outras chamam de anjos, guias... diferenças teológicas e mitopoiéticas também podem ser sublimadas como distorções culturais de uma verdade que brota do íntimo: a verdade de que somos estrangeiros, presos neste mundo contra nossa vontade, por um deus sanguinário ao qual declaramos guerra para conquistar o retorno ao lar. Qualquer doutrina que reconheça esta verdade, ou qualquer pessoa que o sinta, serão para nós irmãos e camaradas. Este texto prova isto: que a verdade do aprisionamento espiritual não é uma doutrina, uma idéia, mas um sentimento, uma GNOSIS no sentido mais puro de 'Nous', que tomou várias traduções culturais por quem a tentou expressar. 

E é muito interessante ver uma manifestação da Gnosis fora da "rota" histórica, nascida espontaneamente no centro da Europa, reforçando de que realmente se trata de uma memória ancestral acessada por aqueles que não são deste mundo. Uma visão menos influenciada pelo cristianismo, e muito mais beligerante, provando que o Catarismo não é a religião de "tolerância" irrestrita como os reconstrucionistas modernos querem pintar.

O texto será dividido em três partes; a primeira relatando a criação e a hostilidade essencial entre espírito e matéria; a segunda tratará da Pedra do Gral; a terceira, da descida de Isais ao Inferno-prisão deste mundo para recuperar tal Pedra. Segue a primeira parte:

A REVELAÇÃO DE ISAIS



A verdade eu vos falo -  para que ouçam. Imagens eu lhes mostro, para a sua visão; discorro sobre um conhecimento e uma sabedoria que a tudo abarcam, desde o pré-início até o fim do fim,  

2                E não falo em parábola ou em mistérios, minha palavra não é confusa, mas falo claramente sobre o que foi, o que é e o que pode vir a ser;
3                Seres humanos, aqui presos à Terra, que seguem a Morte – e são, ainda assim, imortais; Filhos das Estrelas, vindos dos céus, mais velhos do que este mundo;
4                Filhos das forças da Luz e Filhas do Brilho, habitantes dos altos céus, perdidos nas Trevas; seres de Luz que caminham nas Sombras; Eternos, mas não livres da Morte;
5                Andarilhos sobre os cumes dos mundos, recém-nascidos deste lado – por mais tempo pertenceram eles ao outro lado. Filhos de Deuses, mas sem a semelhança divina. E mais isto pode-se dizer sobre os homens: antiga é vossa raça, jovem o vosso mundo.
6                O Espírito do homem não é nascido, mas está lá desde antes do Princípio – e ali estará até depois do Fim.
7                Antes do princípio, existia tudo aquilo que pertence à Eternidade perene; não havia espaço, ou tempo. Sem consciência nem vida, as essências ali permaneciam, até que o Pai de Todos criou, para elas, tempo mensurável e espaço transitável: os mundos eternos celestiais.
8                Ali se projetaram as sementes de todos os seres; a Eternidade assim foi criada a partir da pré-eternidade, e o Princípio se fez.
9                Ali se projetou o Pai para cuidar de seus seres, lhes preencher com vitalidade, insufla-los com força, inspirar-lhes o Espírito. Os mundos celestiais então despertaram em vida e atividade. Os seres reconheceram uns aos outros de acordo com seu tipo:
10           Haviam aqueles, que mais tarde se tornariam homens; haviam outros, que se tornariam depois como animais; haviam alguns como as plantas que crescem do solo; e haviam espíritos demoníacos.
11           E nada era como hoje se conhece na terra, lá nos mundos celestiais que ainda não haviam sido corrompidos: tudo era similar e não-similar ao mesmo tempo.
12           Verdadeiramente nasceu nos Céus, tudo aquilo que hoje se arrasta na terra, e esteve uma vez sob a Luz do Pai, aquilo que hoje vaga em uma busca incessante na escuridão, doente e sem destino.
13           Então um senhor das sombras se apossou dos mundos celestiais, para desafiar o Pai Celeste. Um Reino das Sombras criou este Senhor sombrio, longe do Céu, nas profundezas obscuras do Inferno.
14           Um vazio infinito se estende no meio – ninguém poderia se situar ali.
15           No meio deste vazio, entre as Trevas e a Luz, Espíritos poderosos construíram o Valhalla. Ali vivem os melhores filhos do Pai, Deusas gentis e corajosos Deuses.
16           Desde então, existe Guerra incessante entre Valhalla e o Inferno.
17           Mas inúmeros seres caíram dos Céus. Sem saber o que faziam, queriam espiar a fronteira do Inferno. Mais tarde, desses seres foi moldado o Homem.
18           Todos os que caíram se tornaram inconscientes, esqueceram seus nomes, esqueceram tudo o que aconteceu.
19           Para estes caídos, o Pai de Todos criou um novo plano: reinados neste mundo, sob o firmamento das Estrelas; com isto se tornou possível um segundo nascimento das multidões perdidas, e lhes foi oferecida uma Via até a morte terrena, e a partir dali um portal para retornar ao Lar.  
20           Longas pontes para os outros mundos estendeu o Pai, para uso de toda a humanidade caída; pontes para um retorno feliz para casa.
21           Eu lhes darei a conhecer estes mundos, plenos, criados pelo Pai: acima de todos, o Reino dos Céus e sua Luz eterna, o lar original de todos os seres.
22           Os grandes campos que a tudo englobam eu nomeio a seguir – nenhum plano existe, fora destes campos, deste ou daquele lado do Grande Espelho, que é o nome da fronteira entre este e aquele lado. O Inferno está ali, o obscuro e terrível: sangue fervente, repulsa e tormento infindáveis. Em meio aos campos infindáveis, se situa o Valhalla; fortes muralhas, e um imponente castelo.
23           Também o mundo de cá se situa nestes campos, com a Terra e seu firmamento estrelado.
24           Igualmente se estendem pelos vários mundos arcos de muitas cores, desde os Céus até as proximidades do Inferno. Numerosos são os mundos ali, para as pessoas vagarem depois da morte terrena.
25           Nos confins dos campos, a uma distância inenarrável, um Reino não familiar: o portal cinzento dos demônios; um local aterrorizante, mas completamente silencioso.
26           Existem nos campos muitos mundos do sono –
27           E também o silente vale dos afogados. Os habitantes da Terra vêm dali, para vagar o mundo até conseguir sua libertação e o retorno para casa.
28           A verdade, eu digo, conhecimento e Sabedoria, queiram aprender a Via que lhes ensino com claras palavras: no Reino dos Céus vive o Pai de Todos, com aqueles que lhe são leais. No Inferno, entretanto, mora o sinistro Príncipe das Sombras, o rejeitado, o desolador: Shaddai é o seu nome. No Valhalla, os heróis serenos governam, os Deuses com suas Esposas.
29           Estes receberam com hospitalidade Istara, Mensageira do Pai Eterno. Das portas do Valhalla entram e saem a todo momento os Einherjar, os duplamente imortais. Muitos destes eu tenho por irmãos e irmãs.
30           Neste mundo permanecem todos os homens, com os animais e plantas, para vagar sobre a terra. O Outro Mundo se abre e estende, após a morte terrena, um caminho para o retorno ao Reino Celeste; ali, todos escolhem seu caminho.  

31           Nos Campos Exteriores todas as essências se encontram: boas e más, de todos os tipos. Isais, quem vos ensina, opera desde ali.
32           À noite, durante o sono, seus Espíritos frequentemente deixam o corpo, para vagar pelos mundos do sono. Muitos encontros acontecem ali, fora do Tempo.

33           Também à luz do dia o Espírito, por vezes, busca alçar às alturas. Vibrações do além gostam de se comunicar com ele, para dar mensagens e conselhos. Eu os advirto, no entanto: com frequência, os conselhos são falsos.
34           Atentai-vos, ó homens, ó nascidos da Terra! E vede: não é aqui, a vossa origem. Escutai! A verdade eu vos digo, e ofereço conselho em clara voz.
35           A dança das guerras segue incessante ao longo das eras, desde que Schaddai declarou Guerra ao verdadeiro Deus. Buscai os lugares, tomai os espaços, aonde quer que a espada do herói seja clamada, aonde quer que a ação corajosa seja necessária.
36           Sabei qual é vosso lugar. Quem hesita, tolera – e quem tolera, permite que prevaleçam as Forças do Inferno.
37           Sede gentis e delicados com os de natureza gentil e delicada, mas lancem gritos de batalha contra os maus. Conheçam a hora certa para o amor, assim como para a hora das lanças.
38           Tende compaixão com os que agem acossados pelo desespero – mas guardem um olhar duro e hostil contra os que exploram o sofrimento daqueles.
39           Avançai para a luta sem demora, aonde quer que as nuvens sombrias se estendam. Sede guerreiros aonde o clamor da guerra prevaleça, guardem vossa amabilidade para o reduto do lar.
40           Dividido em dois é todo aquele que vaga pela terra, como claro é o dia e escura é a noite, e não lhe é possível assumir apenas uma das duas naturezas.
41           A verdade vos digo, e conselho vos ofereço; mostro-lhes como a realidade é: Schaddai ronda pelos países e terras do mundo, pelos mares e cavernas, desertos e florestas, colinas e montanhas. Ele traz consigo as fontes do tormento, e traga o sangue que escorre da história das nações, consagrando a si mesmo, com isto, “Deus”.

42           Com muitas faces sorri o Maligno de todos os cantos da terra simultaneamente, multíplices são suas mandíbulas que tudo devoram: nenhum golpe de espada, por si, basta para degolar todas as faces.
43           Mares de chamas se abaterão sobre todas as terras durante um tempo, até que o Verminoso passe. A malícia alimenta o estômago desta monstruosidade, torna poderoso o lançador das Sombras.
44           E quem poderá fazer cessar este terror, enquanto não se derrame o vaso de águas claras [N.T. o tempo]? Suportai o quanto for necessário! Estejais prontos a todo momento, até que se cumpra a hora da espada vitoriosa! Somente então os estandartes voarão no vento da tempestade da vitória final, quando a água que flui do vaso inundar o mundo material.

45           Longe está o dia final, longe está a hora da vitória. Nuvens enérgicas fluem de lá, para cuspir seus relâmpagos.

46           Ó Reino da Luz! O navio está se quebrando, apenas destroços chegam à praia do perigo. Recolhidas foram as peças, e guardadas para uma nova obra: o navio da vitória então será. Quando um vento inexplicável soprar as velas – invisível ele virá, através do Sol invisível de Ilu – então será a hora.


domingo, 3 de maio de 2015

Responsabilidade Individual

“Erguei e despertai os que dormem. Pois vós sois o Entendimento que encoraja. Se os fortes seguirem este caminho, serão ainda mais fortes. Voltem vossa atenção para vós mesmos. Não vos preocupeis com outras coisas, isto é, as que vós já lançastes fora de si mesmos, as que vós descartastes. Não retorneis a comer delas novamente. Não vos tornei rotos. Não sejais corrompidos, pois isto já lançastes fora de si mesmos. Não sejais uma morada para o demônio, que vós já haveis destruído.”
(d’O Evangelho da Verdade)



Surgido da reação espontânea, popular, à pregação dos Bogomilos, o Catarismo mantém como valores incontestáveis ideias que eram naturais para as antigas religiões europeias. Em relação à atitude do homem frente ao Divino, temos um degradée do extremo oriente ao extremo ocidente, de uma mentalidade de completa absorção do homem no Divino (o homem como peça no maquinário do Cosmos, Soto-Zen, o sagrado está dissolvido em todo o manifesto que é ilusório mas por isso mesmo reafirmado em sua completa des-individuação panteística) até o mito de Prometheus no mundo helênico, onde o homem conquista violentamente a Divindade para si, contra a vontade de Deuses caprichosos.

No meio do espectro, o oriente médio tentou compreender a “Lei de Deus”, ora pelo mecanicismo da Astrologia, ora pelo cumprimento de obrigações rituais, e nisto está o povo hebreu que originou e disseminou o “cristianismo” que conhecemos hoje – uma religião legalista, dogmática material, que clama que o homem não deve buscar senão a obediência à Lei escrita e à vontade dos sacerdotes e interpretadores de tal Lei.

A mentalidade européia, com sua ênfase absoluta na atitude individual e na tomada de decisões, via tal submissão da Vontade ao dogma como algo essencialmente estrangeiro, estranho... quando os Bogomilos, vindos do sudeste europeu, vieram na direção de Albi, ensinando que o mundo é um campo de batalha polarizado no qual nossas decisões influenciam na batalha, instigando as pessoas a quebrarem o grilhão da culpa do “pecado” e tomarem para si suas vidas e a responsabilidade sobre sua libertação ou morte eterna, o monopólio sacerdotal das interpretações caiu por terra e a ideia alienígena de obediência dogmática, legal, a um código escrito foi completamente repudiada.

Isto parece um regresso a uma série de questões que oito séculos de teologia dogmática, desde os primeiros concílios, tencionavam ter já resolvidas. O que é a Lei? Quem pode interpretá-la? Quão fixas ou irrevogáveis são suas fontes? Qual o papel do homem na busca pela divinização, o de agente ativo ou passivo? E acima de tudo: quão responsável é o homem sobre suas ações, e como ele responderá por elas?

Se uma teologia material, dogmática havia sido estabelecida e consolidada cultural e politicamente em séculos de ação repressora das igrejas institucionalizadas de Roma e Bizâncio, a pregação dos grupos gnósticos desfez tal solidez como um castelo de cartas, dando início a uma perseguição violenta.

Como já foi visto em outros textos que eu selecionei, nos textos gnósticos os homens e mulheres espirituais vivem o martírio não como uma injustiça sofrida passivamente, ou uma penitência auto-imposta, mas como o resultado inexorável de uma ação de guerra: Noria destruiu com um sopro de fogo a primeira arca de Noé, servo de Yaldabaoth; quase foi violentada pelo mesmo, e foi salva pela intercessão divina de Barbelo, Quem fala pela voz da Epinoia. Sophia sofreu o aprisionamento e foi sugada quase à exaustão pelo monstro que gerou, mas combateu sua arrogância desmedida e o apavorou com uma pequena mostra da Luz inenarrável que existe nos altos Céus.

Isto sem contar o Cavaleiro cátaro mencionado por Rahn que, frente à inquisição dominicana que o tentava a adorar a cruz para poupar sua vida e evitar morrer emparedado, respondeu em alta voz, e várias vezes, que jamais aceitaria ser “salvo” por tal signo.

Não se deve entender com isso que os Cátaros eram derrotistas suicidas, que pulavam de bom grado nas fogueiras de qualquer algoz para garantir um ticket para o Expresso Pleroma. A quase veneração pelo Martírio espiritual não significa que creiamos na salvação pela morte em batalha – simplesmente não existe salvação! Existe um esforço ativo e sincero de, sabendo-se estrangeiro no mundo, e sentindo com o instinto mais profundo o terror da existência material, declarar guerra a todos os que sustentam tal criação hedionda e rebelar-se de todas as formas possíveis: o que quer que aconteça, a partir dessa decisão plenamente consciente, não será nem graças a deuses nem por culpa de demônios.

O Teogamita, o homem que fez votos de purificação (reorientação gnóstica) contínua, o galhardo cavaleiro que, montando seu Eu animal, declara guerra sem piedade ao Rei do Mundo, assume responsabilidade pessoal absoluta por voluntariar-se para a guerra mais antiga do Cosmos, e a última a terminar: quão desprezível e digno de pena será, para ele, o homem que lota os templos de Jehova para pedir curas e favores materiais! Quão imundo, em sua visão, aquele homem que só sabe pedir, e que atribui a Deus suas vitórias, e ao Demônio seus vícios e fracassos. Vitórias e derrotas, virtudes e vícios, o Teogamita os assumirá para si na íntegra, e ao invés de pedir aos deuses, buscará ajudá-los no esforço de libertar toda a humanidade espiritual.

Sim, existem orações no Catarismo, e nos comunicamos tanto com os guias que os antigos conheceram como “Deuses” ou “Anjos”, quanto com o Deus Incognoscível, cuja paraclese divina pedimos sempre que nos faltam forças para o combate – porque somente o Paráclito do Incognoscível pode conceder a graça de uma energia interna infindável, que se renova com a fúria e o exercício da volição espiritual. Isto, porém, é tudo – pede-se orientação, ou forças para fazer o necessário. Nunca pedimos favores materiais, nunca pedimos que o fardo da guerra nos seja aliviado (pois que mérito haveria se não nos fosse dado sermos tentados e atribulados por Jehova-Satanas?), porque a decisão de lutar contra o Rei do Mundo é íntima, e tão essencial em nós que não é possível mentir ou ignorar a decisão por muito tempo.

Nietzsche alertava que era necessário ter o “direito” à liberdade. Isto é, todos querem ser “livres”, porém deve-se indagar ao rebelde-em-potencial, para que ele quer ser livre – para quê, afinal de contas? Muito poucos saberão objetivamente responder porque almejam a liberdade (que não é a ausência de grilhões, mas a mais pesada das contenções que é assumir a responsabilidade integral por toda a sua existência) e tampouco sabem o que fazer com ela. A verdadeira liberdade, e portanto o hábito de assumir a tudo e a todos para si, vem apenas da nobreza de sangue herdada por aqueles que sabem, no fundo silencioso de seu ser mais profundo e adormecido, que são estrangeiros neste mundo.

Por essa razão, os Cátaros rejeitavam o batismo e a extrema unção: o Amor incondicional que existe entre os Espíritos eternos e seu Deus incognoscível nunca poderia conceber algo como “entregar-se nas mãos de Deus”, ou seja, lançar-se passivamente e deixar-se ser guiado, atribuindo todos os fatos da vida a Ele; exige ao contrário a busca ativa, volitiva, da Divinização pela Catarse, exige o domínio da alquimia que transforma a Última Gota de sangue na Luz Imaterial que o Cálice derrama. Exige dar tudo de si, com sinceridade de intenção, e não implorar favores aos Guias que tem a seus camaradas em auto-estima, e jamais cobrariam prostração ou subserviência.

Assim como os antigos nórdicos, que consideravam uma indecência prostrar-se ou portar-se perante seus Deuses com atitude de fraqueza, portamo-nos perante o Deus Verdadeiro como Parsifal - nu, com completa sinceridade em relação às próprias virtudes e defeitos (afinal, o farisaísmo impede que o indivíduo se lance contra os próprios defeitos, porque não os encara). Se pedimos ajuda aos Éons que lutam por nossa libertação, não os estorvamos com pedidos de uma vida mais leve, mas pedimos força para levar adiante o embate espiritual, E para nossos camaradas prisioneiros, tentamos fazer de nossas ações um exemplo, sem negar que, enquanto prisioneiros da carne, temos vícios e falhas, mas nunca os justificando ou aceitando.

Hoje em dia, existe uma ênfase muito forte em colocar o Catarismo como uma religião de tolerância universal e bondade irrestrita. A segunda parte é verídica, desde que entendida direito: a Bondade suprema é combater tudo o que gera sofrimento, o que implica em, muitas vezes, lutar e ferir os agentes das sombras e aqueles preguiçosos demais para enxergar a verdade. Porém, se somos livres de dogmas e morais, porque realmente não importa para a Eternidade o que se fez ou deixou de fazer na vida encarnada, cobramos uma sinceridade e uma retidão absolutas no professo desejo de libertação espiritual, e daqueles que almejam recuperar sua Perfeição, cobramos que seus atos reflitam espontaneamente a Paratge - a galhardia de Kristos Luz - e que tomem absoluto controle de suas vidas, como deuses que são.


Esta reflexão foi inspirada nas palavras de um diário de um russo morto na revolução de 1917, cuja pureza de sangue gerou nele uma epifania que o aproximou muito ao pensamento que nós possuímos. Disponho, logo abaixo, de trechos da carta:

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Das notas de um amigo assassinado, 8/11/1917.

“Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Romanos VIII:26)

Esta noite antes da minha decisão, eu nunca vou esquecer. Está claro que o país está à beira do abismo, e que as pessoas não conseguem entender ou se opor a essa tentação. Nós, os sóbrios e leais, somos poucos, e coagidos a lutar até o fim. Eu tive de decidir, e a tragédia da vida se desenrolou frente aos meus olhos pela primeira vez.Eu vi, e vejo, tragédia no fato de que, na vida, não existe resultado que aplaque a consciência, e a própria vida demanda decisões e ação. E quanto mais valorosa e sagrada a causa pela qual você luta, menos visível é o caminho à frente, e mais irreparáveis as consequências das decisões, que são mais difíceis também.Por aqui, vilões se ergueram, homens de uma composição espiritual ainda inédita na terra, possuídos, selvagens e despudorados. O povo confia neles como criancinhas confiariam – e de uma forma apaixonada como um adulto imaturo. Eu vejo as tentações, a infâmia que avança, o colapso inexorável, e meu coração se toma de amor e comiseração. Mas eu não consigo DEIXAR DE VER que a luta será sangrenta e impiedosa, e que portanto malícia e crueldade serão necessárias. Meu coração se retorce de horror e repulsa.E quão fácil é dizer, “Senhor, livrai-me desta decisão!”E é impossível. Afinal, isto significaria dizer, “tome de mim a força de meu espírito, que é a imagem viva de Teu Espírito! Extingua minha liberdade que reside oculta nessa força! Me livre do serviço, da responsabilidade e do peso da vida[...]” Esta seria uma oração de fraqueza, timidez e fuga. Seria uma oração pela erradicação da dignidade humana, da extinção da verossimilhança divina: “Tire de mim o vosso gracioso fogo espiritual, pois não posso e não quero carrega-lo!”
E eu comecei a mentalmente procurer ajuda de outras pessoas, consultar, pedir direções, sonhando com a subordinação cega a uma ordem... eu estava sozinho, e não tinha ninguém com quem trocar uma palavra, mas parecia-me que a felicidade era deixar de lado a necessidade da decisão e seguir alguém poderoso, bom e formidável...Então eu entendi que isso era impossível. Por que eu haveria de me esconder atrás de outro – de Deus e de mim mesmo? Eu teria de escolher aquele a quem eu me subordinaria. E a decisão de seguir um comando seria minha própria decisão, e cada ordem seguida eu a seguiria livremente. E se mais tarde algum desastre ou culpa sobreviessem, então eu veria com horror que eu causei o desastre, que a culpa era minha, a vergonha e a falha, minhas: pois nem a força, nem a liberdade, nem a sabedoria me teriam abandonado.Eu entendi então que não é dado aos homens ocultar-se atrás de outro, de sua decisão e responsabilidade. Ele precisa se erguer, lançar fora a mortalha da fraqueza e se apresentar...“Ensina-me a servir a tua causa!...”Mas [...] agindo de acordo com estes mandamentos, eu não cumprirei Sua vontade? Aqui está, Senhor, o mandamento dado por ti, que eu cumpri com todas as minhas forças... só é preciso avaliar a expressão exata do mandamento e cumpri-lo com todas as forças, sem pensar nas consequências... O maior mandamento é o Amor, mas que amor? Amor ativo ou resignado? Amor por temor ou por emoção, sacrificial ou indulgente?
Subitamente eu compreendi que eu não ousaria me esconder atrás da palavra escrita da lei para jogar a responsabilidade nas costas de Deus. Pois os mandamentos não são dados a escravos que tremem diante de uma carta, mas para os livres que apreendem Espírito e significado. Os Livres são chamados para ver os eventos e discerni-los independentemente; escolher, e agir atribuindo a si mesmo a responsabilidade. Sim, o Amor é o mais alto mandamento. Mas é possível, por amor, entregar o fraco ao malfeitor para ser lacerado, e que por amor ao sedutor, entreguemos os mais inocentes à tentação? [...]  Assim eu estaria sutilmente atribuindo à palavra um valor depravado, e dizer, “Não foi isto o que o senhor mandou?”, numa tentativa de me livrar da responsabilidade e jogá-la nas mãos de Deus...Da fraqueza vem a hipocrisia, e da hipocrisia, as mentiras. E tudo isto para que possamos renunciar à liberdade espiritual!“Ensina-me a liberdade espiritual! Remove de meu peito a covardia e a fraqueza de coração! Ajuda-me a achar meu caminho – o que não leva para longe de tua Face. [...] Dai-me a força do amor que é capaz de derrubar tudo, a força de confessar minha fé na hora derradeira!  [...]
Devo apenas tirar minha vida? Não, não apenas a minha vida, mas a vida que há na minha vida – ternura de coração, a pureza infantil do riso... conseguirei restaurá-los? Como eu os recuperarei?
“Envia-me a força da oração silente mas incessante! Envia-me a visão inefável de Teu Espírito! Envia-me a dádiva das lágrimas purificadoras!”Eu já tomei minha decisão. Estou pronto..