A morte por
mil cortes
(e um ‘mea culpa’ há tempos necessário)
A ignorância a respeito do Pai trouxe terror e medo. E o terror se tornou
denso como uma névoa – ninguém conseguia ver. Por causa disto, o erro se tornou
forte. Mas este trabalhava em vão sua substância hílica, porque desconhecia a
Verdade. O erro foi moldado para preparar, com Poder e Beleza, um simulacro da
Verdade. Isto, então, não foi uma humilhação para Ele, que é ilimitado e
inconcebível. Pois eles eram como o nada, esse terror e esse esquecimento e
esta figura de falsidade, enquanto a Verdade estabelecida é imutável, jamais
perturbada e completamente bela.
Por esta razão, não leve o erro a sério demais. Pois este, não tendo
raíz, não é mais do que uma névoa para o Pai, engajada em criar medo e
esquecimento para enganar aqueles que estão no meio e faze-los cativos. O
esquecimento do erro não foi revelado, não se tornou uma luz ao lado do Pai. O
esquecimento não existiu a partir Dele, ainda que exista por causa Dele. O que
existe no Incognoscível é o conhecimento, que foi revelado para que o
esquecimento possa ser destruído e para que eles O conheçam. Uma vez que o
esquecimento existe porque eles não conhecem o Pai, a partir do momento em que
o conheçam o esquecimento cessará de existir.
(o Evangelho da
Verdade)
O Cátaro está em eterna
peregrinação rumo a montanhas mais altas e isoladas, e de acordo com um adágio
celta, a existência é, em si mesma, uma peregrinação eterna e incessante. No
caminho, somos forçados pelo cansaço a deixar, na beira da estrada, todo o supérfluo,
todos os adereços artificiais que não pertencem ao Ser: esse trabalho de
purificação é o que há de mais difícil e árduo na nossa doutrina, porque a Alma
é um animal de hábitos, e quimeras psicológicas não são abandonadas sem
oferecer uma resistência violenta ao nosso impulso consciente de purificação.
Essa dificuldade extrema leva o
Cátaro ao imperativo da sinceridade extrema – a vontade de ser puro faz com que
não temamos ser extremamente abertos em relação a nossas falhas e defeitos,
porque não nos apegamos a eles nem os identificamos com nosso próprio ser:
todas as falhas e defeitos que possuímos são armadilhas, são deformações
impostas pelo Criador que remodelou e amputou nosso Ser Original para que este “coubesse”
na Alma limitada que ele criou.
Dito isto, faço um ‘mea culpa’
que há tempos se faz necessário: há mais de dois anos eu venho negligenciando a
manutenção desta página, que eu julgo como uma alta prioridade da minha vida
espiritual (e que outra vida existe, na verdade?); o que me impediu de escrever
e fez cessar minha inspiração por um bom tempo foi, talvez, a mesma armadilha
que aflige a vida da maioria das pessoas e impõe obstáculos ao pleno exercício
da espiritualidade: a forma como a vida moderna não apenas suga as horas do
nosso dia na luta pela sobrevivência frente à instabilidade material da vida,
mas ocupa nossa mente com neuroses e medos durante o percurso de todas as vinte
e quatro horas.
Gurdjeff dizia que apenas uma
pessoa com a vida material estabilizada poderia pensar nas questões da
consciência e do espírito de forma desimpedida. Não concordamos com essa noção,
porque retomar o espaço psíquico inundado pela neurose da sobrevivência e do
medo da pobreza são, especialmente hoje em dia, o front espiritual onde a batalha
é mais acirrada e intensa. Não há espiritualidade sem guerra espiritual. E a
vida do homem moderno é o padecimento da morte por mil cortes, exatamente como
no abate ritual Kosher, onde todo o sangue do animal abatido é drenado por
numerosos e profundos cortes: atormentado por milhares de incômodos ao dia,
estímulos de baixa intensidade e alta frequência de repetição (pressões no
trabalho, meios de sustento eternamente insuficientes, medo do desemprego, medo
do fracasso, violências diárias às quais não se pode reagir, pressão para suceder
e produzir, e toda uma miríade de mensagens bombardeadas para ensinar a apatia,
a desesperança, a obediência, o trabalho como sentido e utilidade da vida), o
homem moderno não padece das mesmas dores e agruras físicas do homem primitivo,
mas precisa lutar de forma cada vez mais agressiva para libertar espaços dentro
da própria psique, para livrar a mente do controle/condicionamento externo, nem
que seja por alguns instantes. O objetivo é verter e drenar nossa energia
psíquica, volitiva, nosso Sangue Espiritual, em sacrifício e honra ao Príncipe
do Mundo, que se regozija no derramamento ritual de sangue.
Nossos irmãos em espírito caíram
nos escombros de Montségur, Beziers, Carcassonne e onde quer que homens
despertos tenham sido martirizados; mas nos dias de hoje, onde o adversário
terrível possui todo o domínio do mundo da matéria, o front retrocedeu e
estamos lutando pelo controle de nossa própria mente. E o inimigo veicula a
todo o momento, incessantemente, mensagens de desesperança e medo, de desejos
inalcançáveis e da ameaça velada da miséria para os que não se submetam. Cabe a
cada peregrino encontrar na Origem de Si Mesmo o manancial de força infinita,
Graça suprema do Paráclito do Incognoscível, para levar adiante essa luta e
libertar nossos castelos interiores, nossa esfera psíquica, do controle da
neurose e do medo.
Mea culpa – negligenciei minha
missão espiritual, tendo passado dois anos da minha vida sem esquecer um minuto
da minha espiritualidade, mas sempre “ocupado demais” com o trabalho, com a
falta de dinheiro, com o imperativo de gastar todo o meu tempo livre estudando
OU SENÃO eu seria descartado pelo rei-mercado como um inútil... porém, o erro foi revelado, e diante disto, neutralizá-lo e reverter seus efeitos é um imperativo absoluto no processo de Catharsis.
Deixo isto como um exemplo a
todos, de que não devemos ser fariseus e fingir que as necessidades da vida
material não são um imperativo – afinal, devemos sobreviver para continuar
trilhando nosso caminho – mas que basta ceder a um medo, a uma neurose, para
que o controle sobre essa vida material seja perdido e sejamos jogados no
turbilhão da vida, sem controle sobre os rumos e sobre o tempo que
transcorre... devemos ter como alta prioridade, na guerra espiritual, buscar
sermos senhores do próprio tempo e do próprio destino, relegando os anseios do
corpo e da alma ao seu papel secundário e vivendo sempre sob a ótica imutável
da preeminência do Espiritual: o que quer que auxilie na nossa peregrinação
Montanha acima, o que se faça necessário para tal, é bem-vindo; o que não
auxilie nesse processo, é um excesso descartável e precisa ser neutralizado
internamente.
Reafirmo, agora e sempre, meu
compromisso com o projeto desta página, na esperança de que possa ser um
auxílio para os Buscadores do Espírito eterno, e alerto que o Tempo é um bem
que traz mais poder do que o Ouro, nesta vida mortal: não apenas o tempo que
transcorre, mas principalmente o Tempo interno, o direcionamento das energias
mentais. Purifiquem-se de todos os cancros que sugam a atenção da mente e nos
mantém com os olhos internos focados com preocupações e elucubrações deste mundo
além do saudável e necessário para a sobrevivência, pois a energia mental
desperdiçada é precisamente o análogo astral do sangue físico derramado nos
templos do Rei deste Mundo. Falando alquimicamente, apenas o Louco, na neutralidade absoluta do ponto zero, está em condições para entrar, sair ou escapar da Roda incessante das aflições. Tal estado de neutralidade interior absoluta é e sempre será o mais alto objetivo do processo de purificação do qual o Catarismo se encarrega. Portanto, estejam sempre alertas!
Uma revisão dos textos anteriores será feita aos poucos, assim como uma reforma na página e dois textos novos em algum momento nos próximos dois meses.