A REVELAÇÃO DAS QUINZE PÉROLAS DO CATARISMO [3/5]
Potencial Divino e a Guerra
Espiritual
“Entenda, que aquele que está na escuridão não poderá ver nada, a menos
que receba luz, e por intermédio da luz recupere a visão. Examine a si mesmo,
para ver se possui a luz em tal quantidade que, ao se perguntar sobre as coisas
elevadas, possa compreender como irá escapar; pois muitos estão buscando nas
trevas, e eles tateiam sem rumo, desejando compreender, uma vez que não há luz
para eles.
Meu filho, não permita que a sua mente olhe para baixo, mas que por
intermédio da luz olhe sempre para as coisas que estão acima. Ilumine sua mente
com a luz do Céu, para que possa se dirigir a ela.”
(d’O Livro de Tomás o Competidor)
A
espiritualidade cátara está longe de ser pacífica; aqueles homens simples e
abnegados, que praticavam a bondade e pregavam o ascetismo e a Paratge – os valores
inatos condensados sob a égide do que chamamos Honra - abdicaram deste mundo, abdicaram de tentar interferir
no devir deste mundo para purificarem a si mesmos para a grande guerra: a
guerra que acontece dentro de si mesmo, contra os próprios instintos, visando
quebrar os grilhões do psicológico e mergulhar nas águas da consciência na
busca do Theoantropos, o Homem Divino que existe corrompido dentro de nós: essa
busca implica uma batalha microcósmica mortal contra o Rei do Mundo, o Demiurgo
criador e mantenedor deste mundo.
Esses
homens mal compreendidos – doces, porém duros, justos, porém cruéis com as
próprias almas, negadores do mundo e da vida, e afirmadores da vida na morte – são
tomados pelos reconstrucionistas e teóricos modernos como pacíficos pregadores
de uma religião de amor e tolerância universal. Isso é uma meia-verdade
perigosa.
Evoco
um artigo do filósofo russo Alexander Dugin sobre o contraste, nas tradições
religiosas, entre as vias “do leite” e “do vinho”, para posicionar depois os
Cátaros no segundo grupo:
“A humanidade sempre teve dois tipos de espiritualidade, dois caminhos
- ‘o caminho da Mão Direita’ e o ‘caminho
da Mão Esquerda’. O primeiro é caracterizado pela atitude positiva em relação
ao mundo ao redor; o mundo é visto como harmonia, equilíbrio, bem, paz. Todo o
Mal é um caso particular, um desvio da norma, algo não-essencial, transiente,
sem razões transcendentais profundas. O Caminho da Mão Direita é chamado a ‘Via
do Leite”. Essa via nunca fere uma pessoa, ao contrário, a preserva da
experiência radical, a protege da imersão no sofrimento, no pesadelo da vida.
Este é um caminho falso. Um caminho que leva a um sonho. Um sonho que, se seguido,
não levará a lugar algum.
O segundo caminho, o ‘Caminho da Mão Esquerda’, vê tudo como uma
perspectiva invertida. Não como uma tranquilidade diária, mas sofrimento negro;
não como a calma silenciosa, mas o drama tortuoso e ígneo da vida destruída.
Este é uma ‘Via do Vinho’. É destrutiva, terrível, o ódio e a violência reinam
aqui. Pois aquele que segue neste caminho percebe toda realidade como inferno,
como exílio ontológico, tortura, imersão no coração de alguma catástrofe
inconcebível originada nas alturas do espaço. Se no primeiro caminho tudo é
visto como bem, no segundo tudo é visto como mal.
Este caminho é monstruosamente difícil, mas é o único verdadeiro. É fácil
tropeçar nele, e mais fácil ainda perecer. Ele não garante nada. Não tenta a
ninguém. Mas este caminho é o verdadeiro. Quem o segue – achará glória e
imortalidade. Quem resistir conquistará, receberá o prêmio, que é mais elevado
do que a própria vida. Aquele que segue o Caminho da Mão Esquerda sabe que um
dia a prisão terminará. A prisão da substância irá colapsar, tendo se
transformado na cidade celestial. A cadeia de iniciados apaixonadamente prepara
o momento desejado, o momento do Fim, triunfo da libertação total”.
(Alexander Dugin, “The Gnostic”)
As
três Pérolas seguintes possuem relação com a Meta Sacra do Catarismo – esta “libertação
total” da “prisão da substância”, a restauração do homem em Theoantropos, no
Espírito Divino criado pelo Deus Verdadeiro e aprisionado pelo Arconte-chefe, o
Demiurgo Jehova-Satanas, Yaldabaoth, Sakla, e sua hoste de arcontes. Então, em
síntese, o Catarismo é necessariamente uma via da Mão Esquerda, pois chegam a
ele aqueles homens cuja busca espiritual os ensinou a visão pesadélica da vida
terrestre, e uma nostalgia da Vida Eterna cujo valor é maior do que a vida e a
morte.
O
Segundo Luminar, Oroiael (Uriel), aquele por quem os Bogomilos chamavam em
momentos de grande necessidade, governa estes Mistérios; Uriel
é um Siddha belicoso, e seus Custodes são aqueles que entronam o
Iniciado, vencedor da Guerra Sagrada, nos Tronos de Glória: Bariel, Nouthan,
Sabenai.
Potencial Divino
·
Modelagem Adaptativa:
A
cada encarnação terrena do Espírito aprisionado, Satanás impõe uma re-modelagem
adaptativa.
“Este é meu mundo”, – ele diz – “e
para executar sua finalidade, você deve estar adaptado às suas leis e convenções.
De outra forma não viverá”.
Vale
dizer, que não se trata de uma simples imposição de ideias externas, como uma
hipnose ou possessão, mas uma modelagem da psique naquilo que Nimrod de Rosario
chama de “Estrutura Cultural Habitual”: as próprias formas de pensar, os
algoritmos que geram o pensar racional, são feitas para processar e assimilar a
obra do Demiurgo, e a cada descoberta adorá-lo. Essa é a primeira modelagem, a
que não nos permite enxergar por vias racionais NADA do que está fora do
Universo criado, porque a mente humana foi modelada para lidar apenas com o criado.
Restam-nos a consciência da Nostalgia, e a orientação espiritual para nos
guiarmos.
A
segunda remodelagem adaptativa, buscada como “Iniciação” pelos adeptos das
religiões satânicas, é o cancelamento da união da pessoa com o Espírito Divino,
quando o Espírito transfere à alma mortal sua última energia e desaparece. Não
há mais Theoantropos. Só o anthropos permanece – um homem isolado, alienado de
sua origem Divina para sempre.
·
‘Não tomarás o Usurpador pelo Pai!’:
Jehova
Elohim, ‘Senhor Deus’ – a formula já aparece em Genesis, III. Assim Elohim se
declara o Deus do todo. É um engano! – ele não é o Pai, mas um impostor.
O
desastre da remodelagem adaptativa é esquecer o verdadeiro Senhor e continuar a
venerar este Arconte malicioso, a desejar e amar sua criação medíocre.
‘A Terra pertence a Jehova, mas
não nós! – Os Cátaros diziam a todo momento, como Noria dizia a todo momento. –
Não tomarás o Usurpador pelo Pai’.
·
Restauração de um Ícone:
Jehova-Satanás,
Yaldabaoth, põe o Espírito num sopor instantâneo, e nas suas manipulações
astrais, insere a modelagem adaptativa que faz o Espírito crer que é o homem de
barro, que impõe o esquecimento sobre sua origem e condição. Mas esta modelagem
adaptativa não afeta a origem profunda da pessoa.
Mas
a comunidade dos Cátaros sabe: a personalidade, o eu terreno, o mar de emoções
e raciocínios não é o Espírito, mas este, aprisionado, aporta sua energia para
a psique. Desta forma, todo o mal, toda a malícia e imundície humanas, todo o
comportamento demoníaco, não incorrem em culpa alguma. O Espírito é Santo,
Puro, Inocente e Honrado, como um Ícone que se desgasta e deteriora não por sua
própria culpa, mas pela exposição indevida ao pó e aos elementos a que o
submeteram. Todas as vítimas da remodelagem adaptativa satânica devem ser
instruídas a viver sob constante Catarse, alertas para as armadilhas que
brotarão, espontaneamente, de dentro da Alma. Então poderão ser restauradas
pela Paraclese Divina do Pai manifesta no Batismo pelo Espírito Santo
Divinizador. Citando uma passagem
importante:
“Então, quando o útero da alma, pela vontade do Pai, volta-se para dentro
de si mesmo, a alma é batizada e imediatamente limpa da poluição externa que
foi lançada sobre ela, assim como as roupas, quando estão sujas, são postas na
água e reviradas até que a sujeira seja removida e as roupas se tornem limpas.
Tal é a limpeza da alma para recuperar a juventude de sua antiga natureza e
para retornar a si mesma: tal é seu batismo”.
(A Exegese da Alma)
·
Potencial Divino, e Potencial Satânico:
O
Catarismo ensina que o Potencial Divino se realiza através do isolamento
interno, fazendo de si mesmo um modelo vivo de Montségur, a montanha
fortificada detentora do Gral. O processo constante de Catarse leva à
polarização dos fenômenos percebidos em divinos e satânicos, o que leva à
purificação da consciência fechada em cerco contra o mundo diabólico de
Yaldabaoth.
Ao
contrário, o Satanismo Cósmico reúne todas as religiões e filosofias que
pretendem conformar o homem à vida na Terra (judaísmo, grandes religiões
institucionalizadas, teosofia, fraternidade branca, thelema, maçonaria etc),
que pretendem implantar nele a apatia, a obediência, o conformismo e um falso
consolo que inspira à aceitação passiva dos sofrimentos e torturas da vida
abismal na Terra, chegando mesmo ao gosto pela vida na Terra. A harmonia, o
pacifismo, a conformidade, a libertinagem, a fragilidade psicológica, a
carência explorada, o ir com a corrente, tudo isso leva ao desprendimento do
Potencial Satânico, que é a obediência às leis de Jehova-Satanas. Há uma guerra
no mundo entre forças que querem desprender nos indivíduos um destes dois
potenciais, e a todo momento os indivíduos são agentes de um dos dois lados
beligerantes, cabendo a cada um escolher o lado que defenderá, de acordo ao
Potencial a que aspira.
Theoantropos
Ora,
sendo o mundo uma ilusão miserável, é possível que existam criaturas de todas
as espécies – inclusive homens – que são manifestos (na ilusão) mas não possuem
existência real. Nós definimos o grau de existência real pela manifestação da
Consciência espiritual (como definida em Gurdjeff, Ouspensky e Nimrod de
Rosario), que é a própria Divindade a ser restaurada.
A
Divindade habita o homem através das composições divinas inseridas em seu
nascimento.
O
corpo é apenas um vaso para atrair e prender o Espírito Imortal; os selos que
atraíram e prenderam o Espírito na Carne, chamamos de Signo da Origem, e a
consciência deles permite a reunião com Minne e o retorno ao Pleroma, ao nosso
Lar Espiritual. Tais Selos foram postos pelos Arcontes eras atrás, e são
passados geneticamente. Todos nós os possuímos, e, portanto temos em nós a
essência divina.
O
objetivo e missão do homem na terra não é desfrutar da ilusão miserável de
Yaldabaoth, Jehova-Satanas, o Rex Mundi, mas mergulhar na consciência catártica
e compreender o Signo da Origem, compreender o próprio aprisionamento, tornando-se
novamente divino de acordo com a vontade amorosa do Pai – um Perfeito, um
Iniciado, um homem-deus – Theoantropos.
A
essa elevação do humano ao sobre-humano, à superação de todos os grilhões e
compreensão da Origem – a isto chamamos a Meta Sacra.
Existe,
na nossa prisão, um Mistério que faz com que mesmo a malícia de Yaldabaoth e
todo o sofrimento do mundo acabem servindo à Glória do Espírito, do Pai
Celestial. Este Mistério está contido no conceito de Desafio.
Abandonar
o Deserto material é um poema de Amor celeste escrito com o sangue. O grito de
impotência e inveja do Rex Mundi quando um prisioneiro escapa, é uma vitória de
Deus sobre Satanás. Por isso a vida humana, em si própria um lamento eterno nas
cinzas, ganha força e brilho quando, imbuído no Amor celeste, o homem toma para
si o desafio de transmutar a si mesmo em Theoantropos.
Os
Éons e Luminares olham comovidos de seus tronos no Pleroma, quando dos Céus
Caóticos enevoados de Satanás um não-mais-humano eleva sua última gota de
sangue às esferas supracelestes em retribuição ao Amor recebido, na forma da
Luz Imaterial, consubstancial ao Pai, que chamamos Vril, a Essência do
Espírito.
Cada
vez que esse brilho se produz na escuridão da Matéria, como um raio trovejante
em meio às nuvens, marcando o nascimento
do Theoantropos, a Vitória Celeste sobre os Arcontes é assinalada com
uma certeza absoluta e incontestável.
Vencer
o desafio de se libertar de Yaldabaoth – eis a Meta Sacra.
Reencarnação Estratégica
Uma
imagem aristocrática da reencarnação dos filhos de Set:
A reencarnação é a terceira armadilha de
Yaldabaoth, o mecanismo infernal para sugar todo o sofrimento da alma. Na versão farisaica do
Cristianismo a reencarnação é negada: o medo do julgamento mantém as pessoas na
escravidão pecadocrática da moral "cristã". O Tibet entende a
reencarnação como metempsicose (reassentamento da alma). O Budismo geralmente
tem uma visão acertada do mecanismo infernal da reencarnação, conhecido como Chave
Kalachakra, e as punições reservadas às almas, reencarnando em seres cada vez
mais baixos e sofridos. Os Arcontes e seus anjos são às vezes chamados Senhores
do Karma, pois sua ocupação é torturar e extrair dor das almas, dor que é o
alimento espiritual de Yaldabaoth.
Os
Puros conseguem se libertar deste ciclo, mas a maioria deles não quer ser
retida no Pleroma. O Espírito não quer retornar aos Céus enquanto outros seus
iguais estão sofrendo. O Espírito se torna sedento em multiplicar sua
experiência de transfiguração e é ávido por levar consigo mais alguns Espíritos
para fora dos Gólgotas de Jehova Satanas. O Espírito sabe que jamais, na
eternidade, o Pai irá abandoná-lo sob nenhuma condição... a menos que ele
conscientemente renegue e traia sua missão terrena, se afastando
voluntariamente do Pai, e da própria Paratge.
A
noção de reencarnação estratégica deixa o homem confiante e incapaz de ceder ao
medo. Mesmo na prisão infernal de Yaldabaoth, temos a vida eterna, manifesta na
Guerra e na camaradagem com nossos irmãos em Espírito. Uma fase passageira numa
longa e ininterrupta existência. O guerreiro flui através da vida e da morte
nessa dinâmica ascendente e descendente, até que seu Potencial Divino se cumpra
e o último Espírito seja liberto da rede de Jehova Satanas.
Essa
é a Aristocracia do Espírito, descida dos céus para a guerra contra Satanás,
encarnada nos atlantes, nos dórios, nos tartésios, romanos, citas orientais, germanos, turcos
e mongóis, em diversas civilizações dos vales ibéricos até os confins dos
montes Altai, que da sua forma particular cantaram em honra a Minne. Tal Aristocracia
sempre coexistiu e combateu os filhos do horror, as crias do Demiurgo, e hoje,
numa modernidade de trevas que destruiu todos os povos e culturas, os castelos
e cercos são microcósmicos, individuais.
A
imersão nestes Mistérios revela à Consciência mais do que nossa identidade
espiritual, mas nosso propósito, nossa missão – em nome de cuja consecução
devemos estar sempre alertas às armadilhas do demônio. Afinal de contas, a
existência de uma Meta Sacra, e a revelação da verdade de uma guerra cósmica
que se reproduz dentro de cada um, faz com que o Catarismo, como todas as
filosofias e religiões vistas sob a ótica da “Mão Esquerda”, seja muito mais do
que um pessimismo Sans Volonté, como
em Cioran ou Schopenhauer, mas uma via bélica e contundente de obliteração do
mundano e reafirmação vigorosa do Divino.
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